É bastante comum os produtores rurais (cerca de 97 % deles) misturarem defensivos agrícolas no tanque de pulverização, visto que se torna muito mais prático, não precisando reentrar nas lavouras para aplicações de defensivos agrícolas, gerando redução dos custos, diminuição do tempo e menor exposição do aplicador à produtos químicos.
Além disso, em alguns casos a eficiência dos produtos pode inclusive aumentar quando utilizados em conjunto, tendo então um efeito de sinergia. No caso de controle de plantas daninhas, a mistura de herbicidas é bem comum principalmente quando numa mesma área há infestação de plantas monocotiledôneas (folha estreita) e eudicotiledôneas (folha larga) resistentes e/ou tolerantes a herbicidas (principalmente o glifosato). Um exemplo disso é o uso de 2,4-D associado ao glifosato para o controle de plantas como caruru (Amaranthus spp.) e buva (Conyza spp.), principalmente quando estão em estádio avançado de desenvolvimento e/ou por dificuldade no controle quando usado somente com glifosato.
É permitida a realização de mistura de defensivos?
Sim, é permitida, porém, foi somente em 2018 que foi assinado um acordo entre o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) e o Conselho Federal de Engenharia e Agronomia (Confea) que autorizou os engenheiros agrônomos a receitar a aplicação em mistura de defensivos. Anteriormente a isso, a mistura de tanque não era aconselhada, porém os produtores acabavam fazendo essa mistura por conta própria, sem uma instrução formalizada.
Para que o agrônomo seja capaz de receitar a realização de misturas, é necessário que haja o conhecimento a respeito da incompatibilidade de misturas. As consequências podem ser bastante negativas quando a mistura é feita com produtos incompatíveis.
Qual é o problema de se misturar herbicidas?
Alguns defensivos, quando combinados, podem ocasionar ineficiência do controle de plantas daninhas, ocasionando assim um efeito de antagonismo. Isso ocorre por dois motivos: incompatibilidade físico-química e/ou efeitos biológicos adversos (Ferreira et.al 1995).
No caso da incompatibilidade físico-química, os principais problemas associados são dificuldade em dissolver os produtos, excesso de formação de espuma e formação de precipitados no tanque.
Assim como a mistura entre herbicidas, a adição de adjuvantes à calda também pode provocar incompatibilidade físico-química, redução da eficiência dos produtos, bem como casos de fitotoxicidade e perda da seletividade para algumas culturas (Queiroz et al. 2008). Assim é necessário que se faça uma avaliação caso a caso quanto ao uso de adjuvantes.
Como evitar o problema de incompatibilidade?
Primeiramente, é muito importante que se faça uma pré-mistura teste com a mesma diluição utilizada no campo para verificar reações indesejáveis, deixando em repouso por duas horas. O ponto negativo desse teste é que ele não irá revelar incompatibilidades biológicas.
Para o preparo da calda, é recomendado que se coloque primeiramente os produtos sólidos (grânulos dispersíveis e pós molháveis); e posteriormente, as formulações líquidas e por último o adjuvante. No entanto, essas informações não dispensam observar as limitações quanto ao uso de produtos em mistura, a fim de evitar incompatibilidades.
Figura 1. Análise visual de compatibilidade físico-química de misturas de herbicidas em laboratório. A representa formação de precipitado e B formação de espuma. Seropédica, RJ. Fonte: PDPA/UFRRJ.
A partir da análise visual, é possível obter-se a recomendação a respeito da possibilidade de aplicar a mistura ou não, conforme a tabela abaixo:
Tabela 1: estabilidade de misturas.
Grau | Condição | Recomendação |
1 | Separação imediata | Não aplicar |
2 | Separação depois de 1 minuto | Não aplicar |
3 | Separação depois de 5 minutos | Agitação contínua |
4 | Separação depois de 10 minutos | Agitação contínua |
5 | Estabilidade perfeita | Sem restrições |
Fonte: Centro Brasileiro de Bioaeronáutica (CBB), citada por Petter et al. (2012). Grau 1 significa separação imediata dos compostos e grau 5, estabilidade perfeita dos compostos.
Em quais misturas ocorre incompatibilidade?
A interação entre herbicidas depende muito da espécie, do herbicida em si e da dose utilizada. Na literatura se encontra alguns dados a respeito da incompatibilidade entre esses produtos, no entanto ainda devem ser feitos mais estudos que estejam relacionados com esse assunto.
Cerca de 80 % das interações antagônicas ocorrem em gramíneas (Zhang et al. 1995). De forma geral, isso ocorre principalmente quando o graminicida é aplicado junto com os latifolicidas ou logo após. O capim-amargoso (folha estreita), por exemplo, acaba não sendo controlado efetivamente quando o herbicida 2,4-D ou cloransulam (latifolicidas) é aplicado misturado ao haloxifope-p-metílico (graminicida), conforme estudos de Pinho et. Al 2017.
Figura 2. Vista frontal das plantas de capim-amargoso no estádio de 3-4 perfilhos aos 35 dias após a aplicação dos tratamentos, submetidas aos sequenciais dos herbicidas haloxifope seguido do herbicida latifolicida (A) e latifolicida seguido do haloxifope (B) com intervalos de 3, 6 e 12 dias entre as aplicações (I3, I6 e I12). Seropédica, RJ. Fonte: PDPA/ UFRRJ.
Estudos de Lancaster et al, 2019, mostraram que herbicidas inibidores de ALS (imazethapyr e penoxsulam), FSII (propanil) e auxínicos (2,4-D) antagonizam a ação de quizalofope (inibidor da ACCase – graminicida). Os resultados indicaram que se deve ter muito cuidado em utilizar quizalofope em mistura.
Herbicidas de contato (glufosinato, paraquat, entre outros) atuam rapidamente sobre os tecidos foliares e prejudicam a absorção e translocação de herbicidas sistêmicos como o glifosato (Bethke et al. 2013).
Herbicidas inibidores de PROTOX (lactofen, sulfentrazone, etc), que são de contato e controlam plantas daninhas seletivamente, podem apresentar incompatibilidade quando aplicado em conjunto com o glifosato.
A tabela abaixo mostra as principais interações antagônicas entre herbicidas.
Tabela 2. Contextualização das interações antagônicas entre herbicidas presentes em publicações nacionais e internacionais. Fonte: (Desafios e Sustentabilidade no Manejo de Plantas, 2019).
Interações Antagônicas | ||
Espécie | Herbicidas | Citação |
Azevém (Lolium spp.) | clodinafope + 2,4-D clodinafope + metsulfurom-metílico diclofope-metílico+2,4-D glifosato + clomazone imazetapir + clomazone |
Han et al, 2013 Trezzi et al., 2007 Vidal et al., 2010 |
Apaga-fogo (Alternanthera tenella) | saflufenacil +clomazone | Trezzi et al., 2016 |
Capim-amargoso (Digitaria insularis) | 2,4-D + haloxifope-p-metílico 2,4-D + cloransulam-metílico |
Leal et al., 2018 Pereira et al., 2018 Pinho et al., 2017 |
Capim-arroz (Echinochloa crus-galli) | fenoxaprope +imazetapir +imazapique fenoxaprope + bispiribaque |
Matzenbacher et al., 2015 |
Capim-colchão (Digitaria sanguinalis) | 2,4-D +quizalofope-p-etílico | Abit et al., 2011 |
Carrapicho (Acanthospermum hispidum) | 2,4-D + fluazifop-P-butilo | Liu et al., 2017 |
Caruru (Amaranthus hibridus) Corda-de-viola (Ipomoea nill) | glifosato + clomazone | Vidal et al., 2010 |
Ançarinha (Chenopodium álbum) Juta -da-china (Abutilon Theophrasti) Rabo-de-raposa (Setaria fosbergii) |
glifosato + glufosinato de amônio | Bethke et al.,2013 |
Leiteiro (Euphorbia heterophylla) | clomazone + lactofen glifosato + imazetapir glifosato + imazetapir +clomazone |
Vidal et al., 2010 |
Milho voluntário (Zea mays) | dicamba +cletodim dicamba +quizalofope |
Underwood et al., 2016 |
Pastinho-de-inverno (Poa annua) | cloransulam-metílico + herbicidas do grupo ariloxifenoxipropionato (fluozifope-p-butílico, quizalofope-p-etílico e fluazifope-p-butílico + fenaxaprope-etílico) | Barnes & Oliver,2004 |
Pé-de-galinha (Eleusine indica) | cletodim + imazapique glifosato + glufosinato de amônio glifosato+ sulfentrazone + glufosinato+cletodim |
Burke et al., 2003 Burke et al., 2005 Chuah et al., 2008 Vidal et al., 2016 |
Rabo-de-raposa (Setaria glauca) | fluazifop +cloransulam | Barnes e Oliver, 2004 |
Sorgo (Sorghum bicolor) | glifosato+ simazine + atrazine | Vidal et al., 2003 |
Quebra-pedra (Phyllanthus tenellus) | glifosato+diquat | Wehtje et al.,2008 |
Uma mistura que tem sido bastante utilizada é a de 2,4-D com glifosato, em aplicação de dessecação pré-plantio. Vários estudos têm avaliado se há reação de incompatibilidade entre esses dois ingredientes ativos, e alguns deles, como o de Takano et al, 2013, afirma que pode inclusive haver um efeito de sinergismo, tornando o controle mais efetivo quando aplicado em conjunto do que de forma isolada, principalmente quando as plantas daninhas estão em fase avançada de desenvolvimento.
Qual o problema de se misturar 2,4-D com glifosato?
Como falado anteriormente, não ocorre incompatibilidade biológica entre 2,4-D e glifosato, no entanto pode haver incompatibilidade física. O glifosato é um ácido, mas é aplicado nas lavouras na forma de sal, e o tipo de sal pode influenciar na formação de precipitados. Um estudo de Kleisinger et.al 2016 mostrou que quando o glifosato é aplicado na forma de sal de amônio de glifosato (como o produto comercial Roundup WG), ocorre a sedimentação imediata ao misturar com 2,4-D, e essa sedimentação não desaparece mesmo com agitação contínua (grau 1 – não recomendada a aplicação).
Já quando utilizado glifosato na forma de glifosato potássico (como o produto comercial Zapp Pro), não ocorre a sedimentação quando misturado com 2,4-D (grau 5 – pode ser realizada a aplicação). Vale ressaltar que o estudo foi conduzido para um volume de calda de aplicação de 50 L/ha e doses de 2,5 L/ha de glifosato e 1,25 L/ha de 2,4-D, ambos herbicidas concentrados solúveis. Todavia, mais pesquisas com essa abordagem devem ser realizadas, variando a dose e o volume de calda que se deseja aplicar
Figura 3. A. mistura de sal de amônio de glifosato + amina do ácido 2,4-D. B. Mistura de glifosato monopotássico + amina do ácido 2,4-D. Fonte: Agrositio
De qualquer forma, para ter uma precisa recomendação de aplicação da mistura de glifosato com 2,4-D, é muito importante que se faça o teste de pré-mistura, visto que hoje em dia temos muitos produtos comerciais no mercado, e cada um deles apresenta suas peculiaridades que podem influenciar na compatibilidade de misturas.
A mistura de herbicidas é benéfica?
Misturar herbicidas pode ser bastante interessante do ponto de vista operacional, trazendo ganho de tempo operacional e redução de custos e em alguns casos pode até aumentar a eficiência dos produtos. Porém, deve-se atentar bastante para efeitos de incompatibilidade, pois a aplicação de produtos incompatíveis pode gerar perdas de controle das plantas daninhas, que resultará em um mal manejo da área, além da grande perda econômica decorrente da compra de produtos que não trarão resultados ou até mesmo gerar incompatibilidade física que irá inviabilizar a aplicação devido ao entupimento de bicos e filtros, tendo como consequência prejuízos também no operacional, demando limpeza constante das pontas e filtros ou em casos mais severos a necessidade de descarte de toda mistura do tanque.
Referências
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QUEIROZ, A. A.; MARTINS, J. A. S.; CUNHA, J. P. A. R. Adjuvantes e qualidade da água na aplicação de agrotóxicos. Bioscience Journal, v.24, n.4, p.8-19, 2008.
ZHANG, J.; A.S. HAMILL; S.E. WEAVER. Antagonism and synergism between herbicides: trends from previous studies. Weed Technology. v. 9, p. 86–90, 1995.
LEAL, J. F. L.; SOUZA, A. S. ; OLIVEIRA, G. F. P. B. ; RIBEIRO, S. R. S. ; CARVALHO, G. S. ; BORELLA, J. ; PINHO, C. F. Interação entre os herbicidas cloransulam-metílico e haloxifope-pmetílico no controle de buva. In: XXXI Congresso Brasileiro da Ciência das Plantas Daninhas, 2018, RIO DE JANEIRO. DESAFIOS E SUSTENTABILIDADE NO MANEJO DE PLANTAS DANINHAS, 2018.
LANCASTER, Z.D.; NORSWORTHY, J.K.; SCOTT, R.C. Residual Activity of ACCase-Inhibiting Herbicides on Monocot Crops and Weeds. Weed Technology, v.32, p.364 -370, 2018.
BETHKE, R. K.; MOLIN, W. T.; SPRAGUE, C.; PENNER, D. Evaluation of the interaction between glyphosate and glufosinate. Weed Science, v.61, n.1, p.41-47, 2013.
DE LA VEGA M. 2013. Tanque mistura em sprays com Atrazina, Glifosato e 2,4-D, em diferentes formulações. http://inta.gob.ar/documentos/herbicidas-mezclas-detanque/at_multi_download/ file/INTA%20-%20Herbicidas,%20mezclas%20de%20tanque.pdf
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